Definição
A sexualidade humana compreende toda a gama de comportamentos que temos em busca da nossa satisfação sexual, e, além disso, diz respeito a questões muito siginficativas à nossa identidade, como a relação com o nosso corpo, nossa identidade de gênero, a orientação sexual, autoimagem, o jeito que a gente pensa, a maneira que processamos nossas emoções, as relações afetivas, nossa saúde física e mental.
A amplitude da Sexualidade
Nossa sexualidade é um fenômeno extremamente complexo que vai influenciar diversos aspectos da nossa personalidade. Ela vai desde a maneira sentimos e percebemos a nossa atmosfera interna – nosso corpo, nossas emoções, nossa disposição, nosso atenção – até a maneira que nos projetamos no mundo e nos relacionamos.
Existem alguns campos de estudo, alguns olhares que podemos segmentar na nossa observação da sexualidade de maneira a tornar sua comprensão mais didática. São eles:
Orientação Sexual
Diz respeito a atração sexual do indivíduo – se ele sente atração por pessoas do mesmo gênero, do gênero oposto, de dois ou mais gêneros, de nenhum ou se não faz nenhum tipo de distinção quanto ao gênero de suas parcerias sexuais
Muito já se teorizou a respeito da orientação sexual e os fatores que estariam conectadas a essa ou aquela forma de viver a sexualidade.
Existem teorias que focam no aspecto genético e na movimentação bioquímica da gestação e os efeitos de hormônios em fases espcíficas do processo, como a Teoria do Irmão Mais Velho.
Outras procuram uma compreensão da orientação sexual em termos sociais, do convívio e do meio a que a pessoa é exposta, principalmente em fases mais imaturas do seu desenvolvimento psico-sexual.
É muito mais aceito no meio científico a conexão de fatores biopsicossociais como grandes influências para a orientação sexual do indivíduo.
Saiba mais sobre orientação sexual aqui.
Identidade de Gênero
Um dos fatores essenciais da sexualidade do indivíduo é a maneira que ele se relaciona com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento.
E isso vai muito mais além de ser cisgênero ou transgênero. A sexualidade é muito mais plural e complexa do que qualquer dicotomia.
Ao longo do nosso aprendizado e amadurecimento sexual, somos expostos a figuras de masculino e feminino, a exemplos positivos e negativos dessas representações.
Se a maioria dos homens aprende que homem não chora, o homem que procura descontruir isso e tocar esse aspecto mais sensível das suas emoções, com certeza deverá rever boa parte da sua identificação com o espectro masculino.
O que provavelmente não mudará a sua identidade de gênero de cis para trans, mas qustionar os papeis de gênero está muito além diisso.
Quando você se coloca contra o discurso conservador de que meninas usam rosa e meninos usam branco, você está conscientemente refletindo a respeito da sua identidade de gênero.
O Caráter Sexual
Wilhelm Reich define caráter de algumas formas ao longo de sua obra mas a definição mais interessante que podemos aproximar aqui é o modo de existir específico de uma pessoa.
A moral religiosa e a repressão às quais fomos expostos, os tabus sexuais da família, a maneira que lidamos com o flerte e com a rejeição, como reagimos em ambientes com tensão sexual, tudo isso diz respeito ao nosso caráter sexual e influencia diretamente o nosso comportamento no campo da sexualidade.
Amadurecer a nossa sexualidade passa necessariamente por um processo de reflexões sóbrias sobre o nosso caráter sexual que é repleto de aprendizados inconscientes e condicionamentos.
Prazer e sensibilidade
Reich chamava de potência orgástica a capacidade de um corpo em transformar o acúmulo da excitação em descarga orgástica. Escreveu muito sobre como ela é essencial na cura das mais diversas neuroses – inclusive as de cartáter.
O prazer faz o corpo querer ser mais sensível, que faz o corpo querer sentir mais prazer e esse ritmo é extremamente saudável para a homeostase do nosso organismo.
O oposto disso é o corpo que sente dor e desconforto e se anestesia para sentir menos – basicamente o estresse que colocamos o nosso corpo diariamente nas rotinas que executamos, cheias de estresse, cortisol, excesso de estímulos, sono com pouca qualidade e alimentação pouco nutritiva.
Um corpo que sente prazer e é sensível com certeza terá diversas visões de mundo bem diferentes daquele submetido a um processo de dessensibilização desconfortável.
Sexualidade Rígida X Sexualidade Fluida
Por muito tempo acreditou-se que a sexualidade – principalmente a orientação sexual – era algo rígido, que nascia e morria com o indivíduo da mesma forma.
Os estudos de Kinsey foram pioneiros em observar nuances na orientação sexual das pessoas, bem como a influência social do meio em transformar a relação que a pessoa tem com a expressão da sua sexualiade.
Ele criou uma escala para averiguar a orientação sexual que vai desde o exclusivamente heteroafetivo até o exclusivamente homo afetivo, com diferentes graus de bissexualidade.
Nessa escala se considera de forma mais complexa a atração sexual da pessoa dentro desse grande espectro de comportamentos, entendendo que isso também pode variar ao longo da vida embora apresente padrões de certa rigidez.
A Conexão entre Saúde e Sexualidade
O exercício da sexualidade de forma saudável é essencial para o equilíbrio do sistema nervoso autônomo, excitando o sistema parasimpático, que ajuda o corpo a ter um melhor estado de manutenção, melhor metabolismo, digestão, relaxamento, etc.
A saúde mental e a saúde física se beneficiam muito quando a sexualidade está saudável, que propicia mais equilíbrio das emoções e a diminuição da rigidez neuromuscular.
Tem a sexualidade saudável o indivíduo que consegue viver todo o ciclo de resposta sexual nas suas experiências – desejo, excitação, platô, orgasmo e resolução.
Em oposição à sexualidade sauudável nós temos as disfunções sexuais, que impedem que a relação sexual da pessoa complete o ciclo da resposta sexual, interferindo no desejo, na excitação ou na produção da descarga orgástica.
Cuidar da Saúde Sexual é fundamental para a saúde física e mental.
Sexualidade e Relacionamento
No mundo da monogamia compulsória, a sexualidade é fundamental para a criação do núcleo familiar. As relações afetivas são muitas vezes criadas e sustentadas através da conexão sexual.
E quando não temos um processo de amadurecimento da nossa sexualidade que seja amoroso, que tenha respeito, que cuide da sensibilidade e das emoções, é muito fácil transportarmos várias das nossas neuroses para as relações sexuais.
Cuidar da qualidade das relações sexuais e, principalmente, da satisfação sexual que se vive junto cria um espaço de cumplicidade e aceitação que reverbera em vários aspectos pra saúde do relacionamento.
Por exemplo: um casal que passa por um processo de terapia sexual comigo vai provavelmente precisar aprender muito a respeito de comunicação sexual. É muito comum que esse tipo de comunicação seja um tabu nas relações monogâmicas.
A partir do momento que se melhora a comunicação sexual por meio de uma intervenção terapêutica, toda a comunicação que existe na relação acaba se beneficiando, haja vista que a comunicação sexual costuma ser a mais delicada em muitos casos.
Esse tipo de cuidado com a sexualidade cria uma cumplicidade maravilhosa dentro do relacionamento. É assim que as pessoas mantém o tesão na sua relação.
A pressão dos cenários sexuais
Chamamos de cenário sexual toda ocasião na qual somos convidados ou convocados a manifestar ou expressar a nossa sexualidade.
Pode ser uma transa, pode ser uma festa cheia de oportunidades para flerte, pode ser um almoço em família no qual alguém confronta a sexualidade de alguém com algo como “cadê a namoradinha?”.
É importante notar que o início da nossa sexualidade é marcado por uma sensação contínua e intensa de prestação de contas a respeito da nossa sexualidade; a família cobra isso dos jovens, os grupos que permeiam, as amizades mais próximas, enfim, existe muita pressão pra que a pessoa compreenda e expresse sua sexuualidade dentro de diversos moldes.
O problema dessa pressão é que pode acabar orientando a sexualidade do indivíduo rumo ao alívio ao invés de direcioná-la ao prazer. A pessoa fica mais preocupada em seguir padrões e moldes para se sentir mais pertencente quando vive sua sexualidade do que orientar sua sexualidade pelo prazer e pela satisfação.
Isso pode criar vários comportamentos tóxicos e inconscientes que normalmente abrem porta para diversas disfunções sexuais.
Transtornos Sexuais
O prazer sexual é uma habilidade que adquirimos ao longo da vida, num processo de descoberta extremamente singular, que se inicia sozinho, na descoberta da sensibilidade do próprio corpo.
Ao longo da nossa história, porém, é comum acumularmos algumas experiências sexuais que não geram satisfação, ou geram dor, desconforto, desconexão, ansiedade e, essas experiências emocionalmente difíceis acabam nos deixando repletos de gatilhos que vão, pouco a pouco, nos tornando disfuncionais sexualmente.
Esses transtornos da sexualidade – também chamados de disfunções sexuais – vão roubando a nossa presença nos cenários sexuais, deixando-nos cada vez mais distantes de um ciclo de resposta sexual sauudável e de todos os benefícios de uma sexualidade consciente para o nosso corpo e nossa mente.
Eles podem atacar diferentes pontos da nossa resposta sexual e costumam desencadear sintomas conhecidos também como neuroses de caráter – sintomas que sutilmente se misturam à personalidade da pessoa.
Por exemplo: uma mulher que sofre de anorgasmia e começa a sofrer um sintoma de perda de libido pode facilmente entender esse sintoma como algo essencial da sua personalidade ao invés de associar esse traço de comportamento à disfunção sexual.
Transtornos orgásticos
Anorgasmia feminina, ejaculação precoce e ejaculação retardada são as principais disfunções dessa categoria. Elas impedem que a excitação acumulada seja transformada em uma descarga orgástica satisfatória.
Ou os orgasmos simplesmente não acontecem – no caso da anorgasmia ou da ejaculaçao retardada – ou acontecem com pouca energia e nenhuma satisfação, gerando frustração e, muitas vezes, ansiedade, no caso da ejaculação precoce.
Transtornos orgásticos, quando não são tratados com terapia sexual, podem desencadear sintomas que surgem cada vez mais cedo na resposta sexual, como os transtornos de excitação.
Transtornos de excitação
Dispareunia, ejaculação precoce, vaginismo, disfunção erétil, todas essas disfunções vão dificultar o acúmulo de energia e excitação pelo corpo.
Se no primeiro grupo a dificuldade estava em transformar a energia acumulada em descarga orgástica, aqui o corpo encontra bastante dificuldade em reter e acumular essa energia.
É muito comum que a atenção da pessoa fique extremamente dispersa quando a excitação sexual começa, tornando bastante difícil o processo de repousar a atenção no corpo e nos estímulos recebidos, seja por conta de dor, desconforto ou de expectativas catastróficas para a expeiência sexual.
Transtornos de Desejo
Popularmente conhecida como falta de libido, o transtorno do desejo sexual hipoativo acontece quando perdemos o ímpeto que nos direciona à troca sexual.
É muito comum que as disfunções sigam esse caminho – comecem mais próximas do orgasmo, se espalhem para a excitação e acabem afastando também o desejo sexual da pessoa.
Os transtornos de desejo estão muito mais associados a repetidas experiências desagradáveis ou insatisfatórias do que a traumas propriamente ditos. Geralmente são casos de acúmulo de emoções disfuncionais na sexualidade – medo, raiva, nojo, ansiedade, etc.
Influências comuns na sexualidade inconsciente
Num cenário onde a maioria de nós não tem informação de qualidade e recebe referências péssimas de comportamento sexual, fica fácil mapear a quantidade de aprendizados tóxicos mais comuns no campo da sexualidade.
Machismo estrutural
A ideia de que existe a mulher pra ser dama e a mulher alcoviteira, o papo de que homem tem que sempre estar pronto pra sexo e todas as demais qualificações as pessoas por meio dessa ótica machista são extremamente comuns na sexualidade inconsciente.
O problema que essa simplificação de raciocínio traz é a tamanha rigidez de comportamento que se encontra na sexualidade das pessoas por conta da necessidade neurótica de manter as aparências dentro de determinados papeis.
Um exemplo claro é o cu do macho hétero. Já é sabido há muito tempo que o estímulo prostático pode ser extremamente prazeroso pro homem. Mas a ideia de ser penetrado – mesmo por uma mulher – fere o ego do macho hétero inconsciente que projeta uma série de atributos femininos nessa postura e acaba se privando de um grande espectro de prazer do seu corpo.
Monogamia Compulsória
Sempre que não se falar sobre o assunto, acabaremos necessariamente dentro de uma relação monogâmica.
E a estutura monogâmica das relações dá suporte para uma série de aberrações no campo da sexualidade; desde o controle compulsivo do corpo do outro até relações de poder que não tem nada de relação afetiva.
A estrutura monogâmica propagada pela igreja também está muito conectada com essa segregação de papeis sexuais, principalmente na sexualidade da mulher. O que os olhos não vêem o coração não sente, dizem os monogâmicos raiz, e se questionam porque perdem o tesão na relação que vivem.
Se você não encontra espaço para compartilhar a verdade do seu desejo sexual com sua parceria e mistura mentira e manipulação nessa fórmula, não demora muito mesmo para o tesão ir embora.
Amor Romântico
A ideia de que as relações sexuais afetivas existem para nos fazer felizes para sempre rouba o amadurecimento sexual de muita gente.
O amor romântico também vende a ideia do príncipe encantado que, em tempos modernos, pode ser traduzido pelo mito do bom de cama; aquela pessoa que vai chegar pra transar comigo e, por mágica, saberá conduzir a minha experiência sexual da maneira mais prazerosa pra mim.
Isso rouba das pessoas a perspectiva saudável de que o prazer é uma habilidade adquirida e que ninguém deve atribuir a responsabilidade do seu prazer a outra pessoa.
O amor romântico também nos faz acreditar que o sexo deve ser vivido com sentimento e que tudo fora disso é depravação. Sexo pode ser o nascimento de sentimentos maravilhosos e a única coisa que precisamos ter na experiência sexual para que seja saudável e nutritiva é consenso e conexão. Existem casais que estão juntos há anos, que possuem vários sentimentos afetivos, mas que se machucam constantemente por transarem sem consenso e conexão.
Hiperrealismo
A constante projeção de corpos perfeitos e situações incríveis que vemos nas mídias e nas redes sociais faz com que julguemos a nossa atmosfera interna e externa o tempo todo.
É por conta do hiperrealismo que muitas pessoas sentem vergonha dos seus corpos e só transam de luz apagada; porque nunca conseguirão ter o corpo padrão que aparece na mídia, sofrem com essa condição e sentem vergonha de expor o seu corpo.
Homens de queixo quadrado, ombros largos, bíceps definido e barriga tanquinho. Mulheres com seios grandes, cintura fina, quadril largo e corpo sem pelo. Quem não está dentro desse padrão sente que não é suficiente para viver sua sexualidade. Precisamos urgentemente nos desconectar dessa cilada que o hiperrealismo nos apresenta e aceitar a naturalidade dos corpos
Performance Pornográfica
Performance implica apresentador e audiência. Quando existe performance, existe alguém dando um show e alguém contemplando a cena. Nada poderia estar mais desconectado da sexualidade saudável do que a palavra performance.
Por conta da influência absurda da pornografia digital no imaginário popular, é um esforço constante e recorrente dentro da terapia sexual ajudar os interagentes a enxergarem a experiência sexual sem a lente da pornografia.
Nunca tivemos tanto acesso a tanto material pornográfico. E nunca fomos tão disfuncionais sexualmente. Jovens hoje em dia (95% dos jovens com 14 anos de idade) consomem material pornográfico regularmente e aprender a transar estrangulando antes mesmo de beijar na boca.
A atividade sexual orientada pela pornografia não conecta ninguém, não se preocupa com o prazer de ninguém e faz com que as pessoas vivam seu sexo repletos de expectativas.
Moral Religiosa
Antes mesmo de descobrirmos a sexualidade, muitos de nós já ouvia que, se tocasse no próprio genital, iria pro inferno. Pecaco e condenação são muito presentes no discurso religioso que se refere à sexualidade.
E quem sofre com essa influênca com certeza se masturba menos, se questiona menos e se fragmenta mais para aceitar valores que vão diretamente de encontro a todas as sensações que a pessoa vive.
A moral religiosa imprime culpa e medo pela experiência sexual e é extremamente comum – em casos de disfunção sexual – que o contexto religioso precise ser observado com cautela para que a pessoa possa ser ajudada da melhor forma possível.