Meditação é uma daquelas palavras mágicas de tão abstratas. Eu escrevo “meditação” aqui mas não tenho ideia do que você lê aí do outro lado. Talvez você visualize um yogi magrinho, sentado em posição de lótus, com os olhos fechados, as mãos fazendo algum mudrá conhecido; talvez você veja a figura de um senhor de idade, bem barbudo, com os olhos firmes, porém doces, mostrando a você como respirar. Talvez você não vislumbre nada, mas tenha a sensação de que é algo muito difícil, impossível pra você… “magina, eu não consigo ficar quietinho pra meditar”.
Existem várias definições. Diversas escolas tentam definir a prática da meditação, cada uma buscando as características que reforçam a sua linha de pensamento. Uns vão dizer que meditação é esvaziar a mente, outros dirão que meditar é não-fazer. Dentro da nossa escola de Tantra, entendemos a meditação como um estado de presença, um mergulho completo e total no aqui-agora. Você pode se sintonizar com a experiência meditativa de diversas formas, mesmo com a sua cabeça pensando.
Meditar é um fabuloso caminho de autoconhecimento. No sentido mais cru da palavra, no sentido de se autodescobrir, não de se aperfeiçoar. A sua essência já está ali dentro, pronta para ser acessada, vivenciada, porém nós somos sistematicamente trabalhados para não desenvolvermos o contato com essa voz.
A meditação dissolve as vozes do ego e nos conecta com a nossa essência.
Desde que somos inseridos no contexto social somos forçados a usar máscaras, a seguir padrões de comportamento que já existiam muito antes de nós. Aprendemos uma certa frieza que toca e não sente, que engole e não saboreia; abdicamos do contato visual, do olho no olho, em nome de uma falsa sensação de segurança e preservação que mal sabemos explicar direito. Tudo isso, todas essas regras tácitas que lidamos diariamente, acaba por nos desligar física, sensorial e energeticamente da nossa essência. Todas as máscaras que usamos nos separam daquilo que realmente somos.
Meditar é transformar a sua anatomia, sua bioquímica cerebral, suas respostas instintivas, os padrões de comportamento automatizados do corpo. É trazer luz a todas as suas sombras e aceitá-las. Meditar é um dos maiores gestos de amor. Um gesto de amor próprio, de autoacolhimento. É sintonizar a voz de uma sabedoria intrínseca ao nosso corpo, nosso lado sensorial, intuitivo.
Mas, no caminho para escutarmos a voz dessa sabedoria interna, encontramos muito ruído. Outras tantas vozes tem o péssimo hábito de nos distrair, de confundir o nosso foco e a nossa atenção. São as vozes mentais, as vozes do Ego que construímos ao longo dos anos. As vozes de todas as máscaras que precisamos utilizar enquanto a vida segue. Essas vozes, por estarem bastante seguras no status quo emocional que nos encontramos, dificilmente irão se sentir confortáveis caso a gente consiga atingir um estado de percepção meditativo.
No Tantra usamos o corpo para meditar: movimento, respiração, som, os sentidos, as sensações, as emoções…
Pois nesse estado essas vozes perdem a força; são facilmente identificadas como vozes falsas, não genuínas. O Ego se alimenta de todas essas máscaras que desenvolvemos; ele se acostuma e fica confortável com elas, pois já aprendeu a manipulá-las para tirar o maior proveito em cada situação.
A mente também não é muito afim de novidades, principalmente quando partimos para o campo emocional e intuitivo, no qual a sua força analítica e racional perde muito do seu efeito. E nesse mundo extremamente lógico e mental que vivemos hoje em dia, acabamos dando tanto poder para a nossa mente que ela é capaz de nos tirar de qualquer experiência. Ela tem a força de nos tirar do momento presente e nos mergulhar em pensamentos do passado ou expectativas do futuro sem que a gente sequer se dê conta.
Para chegarmos até a meditação, precisamos saber passar por essa onda de ruído, por meio de todas essas vozes e encontrar a joia dourada que é a voz da nossa essência.
Tomando essa definição como base, fica a pergunta: como meditar?
Como Meditar?
Existe uma infinidade de técnicas desenvolvidas ao longo de milhares de anos. Você vai encontrar defensores de todas elas, muitos inclusive vão dizer que a sua maneira é a única e a correta.
Se há uma unanimidade em todas as escolas de conhecimento que trabalham com a meditação é o poder de transformação que reside na respiração, quando usada de modo consciente. Sentir a respiração é uma ótima maneira de nos aterrarmos no momento presente. A respiração está diretamente concertada ao nosso estado de espírito e ao nosso estado de consciência.
Uns usarão o silêncio, outros a música; e cada uma das técnicas será mais facilmente absorvida por essa ou aquela pessoa. Você pode repetir um mantra por 40 minutos, pode observar a sua respiração cada vez mais profunda, pode fechar os olhos e levar sua atenção para o terceiro olho, pode dançar de olhos fechados sentindo a música guiando o seu movimento…
As técnicas são várias, mas mais do que técnicas precisamos de um contexto meditativo, uma intenção. Cozinhar, por exemplo, pode ser algo completamente mecânico ou uma atividade profundamente meditativa – tudo vai depender da sua consciência, da sua percepção, da quietude da sua mente, do quão envolvido todo o teu ser está na atividade.
Precisamos de tranquilidade para permitir que a experiência meditativa aconteça. Aí a figura do terapeuta é tão importante. Meditar seguindo textos ou gravações não respeita o tempo da experiência de cada um.
O terapeuta consegue facilitar a experiência das pessoas, observando seus padrões corporais e ajustando as instruções de acordo com a realidade de cada um. Por exemplo, ele deixa claro pra pessoa que ela está fazendo tudo certo, da maneira que deve ser feita. Elimina questionamentos técnicos que podem alimentar o ruído dentro da cabeça da pessoa e impedir que ela consiga se entregar 100%.
Diversos tipos de meditação
Como todo treinamento, existem diversos entendimentos sobre a melhor maneira de se conseguir chegar em cada resultado. Assim, temos diversos tipos de experiências meditativas que são utilizadas nas mais diversas escolas de conhecimento humano. Todas elas buscam experiências semelhantes, embora descritas cada uma à sua maneira; uma conexão com o momento presente, um estado de testemunho anterior aos pensamentos, uma mente tranquila e sem muitos ruídos. Não pensamos aqui de maneira nenhuma fazer uma lista taxativa, mas apenas citar algumas técnicas que se repetem em algumas escolas.
Meditação de atenção focada – nesse tipo de prática colocamos a nossa consciência em algum ponto ou objeto específico. Pode ser a sua respiração, a chama de uma vela, uma visualização, a repetição verbal ou mental de um mantra, alguma parte do corpo, etc. Conforme a prática vai sendo desenvolvida, a atenção centrada completamente em algum ponto vai transformar o objeto focado, transformar a percepção que se tem dele, inclusive do próprio observador. Pouco a pouco os obstáculos da mente vão perdendo força, o ruído vai perdendo o volume e conseguimos uma experiência que atinge nosso estado consciente.
Existem vários caminhos e práticas meditativas que seguem esse estilo; meditações budistas, a própria meditação Zazen, a meditação transcendental de Maharishi usa o mesmo princípio, os Pranayamas do Yoga, algumas meditações do Taoísmo. Técnicas como o Ho’oponopono por exemplo, centram a atenção da vivência na repetição verbal.
Meditação de percepção sensorial – aqui o funcionamento é um pouco diferente. Ao invés do foco, permanecemos alertas a tudo o que está acontecendo, recebemos todos os sinais, todos os estímulos e ficamos presente em tudo. Aqui atingimos um estado de presença que nos apresenta um observador anterior a tudo o que se sente, a tudo o que se pensa. O segredo aqui é testemunhas sem reagir, sem julgar. Sentir as coisas como elas são, cada uma em sua essência, antes que o grande e poderoso ego passe a atribuir valor pra tudo.Temos a Mindfullness como um famoso exemplo de técnica que visa desenvolver o caminho dessa forma. No processo terapêutico que usamos na Casa Samadhi, trabalhamos uma técnica chamada Suchness que se baseia no mesmo princípio: meditar percebendo o corpo, mas dessa vez procurando pontos específicos da anatomia emocional. A meditação Vipassana – famosa pelos retiros gratuitos de 10 dias que desenvolvem a técnica, mas que pode sim ser feita de outras maneiras – é um outro bom exemplo de meditação de percepção sensorial.
Meditação ativa – nesse caso, usamos o corpo como instrumento da meditação. Não caminhamos com a consciência pelo corpo; usamos os movimentos e outros instrumentos do corpo como ancoramento no estado de presença meditativo. Embora esse tipo de técnica seja bem eficaz para criar uma experiência de mente silenciosa, muitas vezes ele acessa aspectos do nosso emocional; raiva, mágoa, culpa, medo, frustração, todas as emoções que interferem no bom funcionamento do nosso sistema orgânico desencadeiam um processo de somatização no corpo.Algumas práticas do Taoísmo e do Tantra seguem essa linha, combinando movimento, respiração, som, os sentidos do corpo e vários aspectos criando uma experiência meditativa extremamente rica. O Giro Sufi praticado pelos adeptos do Sufismo – assim como as Danças Sagradas de Gurdjieff – são outros bons exemplos de meditações ativas.
Meditação vibracional – por esse caminho encontramos a experiência meditativa mudando a frequência vibracional do corpo, seja por movimentos vigorosos, exercícios de respiração bem específicos ou simplesmente não fazendo nada. Essa vibração causa um abalo na nossa anatomia emocional, fazendo com que a energia produzida pelo corpo vá de encontro às couraças neuromusculares, produzindo insights a respeito do nosso comportamento e das nossa vida como um todo. A famosa Meditação Dinâmica do mestre indiano Osho é um bom exemplo. Alguns trabalhos em terapias neo-reichianas como a Bioenergia de Alexander Lowen usam princípios parecidos. Uma das linhagens do Yoga, a Kundalini Yoga, também apresenta práticas vibracionais bem interessantes.
A Meditação no Tantra
A meditação é um dos pilares da Terapia Tântrica. Ela prepara o paciente para qualquer prática mais intensa – como uma sessão de massagem tântrica, por exemplo – ou uma experiência para casais.
Dentro do Tantra, usamos o corpo e seus artifícios para criarmos a experiência meditativa. Movimento, respiração, som, os sentidos, o toque, as emoções, tudo que o corpo é capaz de sentir se transforma em um eficaz instrumento de meditação. Usamos o corpo para confundir a mente, para produzir a bioquímica saudável que expande a nossa consciência, para trazer vitalidade para o corpo e aumentar sua sensibilidade durante a prática.
A meditação tântrica pode criar uma experiência extremamente profunda de conexão com a anatomia emocional, com as memórias presentes no corpo, com os sentimentos que não foram bem processados e continuam drenando energia do organismo. Além disso, é possível acessar um campo intuicional no qual somos tomados por inspiração, recebemos insights de várias naturezas, e criamos uma visão sistêmica a respeito da linha da vida.
Vale lembrar que cada um é o responsável pela sua própria experiência. Cada um conhece os limites do seu corpo e possui seu determinado nível de comprometimento, entrega e dedicação a trabalhos corporais. Meditação é treinamento. Estamos reprogramando o cérebro, resetando o sistema nervoso, criando novas sinapses. Quando meditamos, estamos alterando nossa anatomia de dentro pra fora.
As meditações tântricas podem ser vivenciadas de várias formas; tanto numa sessão individual, diretamente com o terapeuta, em práticas para casais ou até em vivências em grupo, com pessoas desconhecidas. Existem trabalhos sociais, com interação entre os meditadores. Alguns deles sustentam um alto nível de intimidade – como as meditações que ensinamos aos casais – mas muitas meditações sociais do Tantra podem ser feitas com alguém que acabou de se conhecer.
O comportamento é o grande afetado pela prática recorrente de meditação tântrica. Ela pode desencadear uma série de visões, memórias, lembranças que se conectam dentro de uma visão sistêmica até o seu comportamento hoje. Meditar com o corpo pode nos ensinar muito a respeito de como temos nos comportado. O quanto das nossas atitudes têm sido um real livre arbítrio em exercício e o quanto estamos apenas reagindo inconscientemente a estímulos, da maneira que o nosso sistema orgânico aprendeu a reagir com as experiências que viveu.
Misturamos 3 elementos chave em uma prática de meditação tântrica para termos uma experiência meditativa profunda. O primeiro deles é a energia. Bioenergia, aquela que o corpo produz para o seu funcionamento. Energia é vitalidade. Ela intensifica tudo o que a meditação é capaz de proporcionar. Ela ativa a anatomia emocional e as couraças neuromusculares.
Quando atingimos um nível interessante de energia, precisaremos da segunda chave: entrega. Entregar-se totalmente à prática, sentindo como o corpo fica quando mergulhado dentro da proposta que se vivencia no momento. Muitas vezes nossa mente pode criar mil subterfúgios para sequestrar a experiência meditativa, principalmente quando estamos indo fundo em questões emocionais. Ela traz coceiras, cãibras, desconfortos de todos os tipos.
Quando conseguimos abandonar a resistência da mente e nos entregar 100%, precisamos da última chave: aceitação. Aceitar todas mensagens e sensações que o corpo traz, sem julgamentos, apenas sentindo e recebendo. Nesse momento estamos abrindo espaço para que as transformações desabrochem. Atingimos um estado de não-fazer e relaxamento que desencadeia uma profunda expansão da consciência.